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Battle Royale
novembro 22, 2006, 11:22 pm
Filed under: Quadrinhos

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 Battle Royale, por Tarcízio Silva

Um reality show. Quarenta e dois participantes. Uma ilha. Só um vencedor. pra alcançar a vitória, todos os outros quarenta e um concorrentes devem ser eliminados. Para todo o sempre. Pode não parecer o mais original dos roteiros (vide O Sobrevivente, romance de Stephen King adaptado aos cinemas em 87), mas o mangá Battle Royale tem um diferencial que marca bem a forma que é desenvolvida a trama. Os sorteados são turmas de primeiro ano do colegial. Como todos sabem, já um campo de guerra.

Battle Royale originalmente foi um polêmico romance escrito pelo japonês Koushun Takami em 1999. No final do ano seguinte, Kinji Fukasaku lançou uma adaptação para os cinemas. Apesar de nenhum deles ter sido traduzido para português oficialmente (até agora), o filme e o mangá tornaram-se cult entre internautas, graças ao trabalho de scanlators. Em janeiro de 2006 o último volume foi lançado no Japão, e aqui no Brasil a Conrad lança mensalmente, a partir de outubro.

O realismo do mangá é perturbador. Logo no primeiro volume, uma página dupla mostra um aluno atingido no rosto por um tiro. O aspecto visceral (literalmente) e direto do desenho pode não ser o mais agradável de se ver, mas acusações de sensacionalismo não duram muito. Battle Royale poderia ser um shonen mangá raso, que se concentra nas lutas e mortes. Na verdade, o mangá não é sobre um reality show de matança. A ilha é só uma fachada para que o autor destrinche as relações humanas, principalmente a dinâmica das relações escolares, que podem definir toda a vida de uma pessoa.

Os personagens principais são: Shuuya Nanahara, um órfão de bom coração, que tenta sempre ajudar os colegas mais fracos; Noriko Nakagawa, a paixão do melhor amigo de Shuuya, que promete protegê-la; e Shogo Kawada, um recém-transferido e misterioso aluno. Os três se juntam, não entram no jogo e tentam convencer outros a não participarem.

A cada personagem apresentado na ilha, seu perfil é mostrado pelas atitudes na escola. Os tipos clichês do colegial aparecem, como a garota popular, o otaku, o esportista, o lutador de artes marciais ou a gangue que oprime os mais fracos. O primeiro coadjuvante a aparecer é Yoshio Akamatsu, perseguido por outros alunos no colegial por ser “lento”. Assim que o Programa começa ele enlouquece, lembrando das vezes que foi constrangido ou até espancado. Shuuya tenta convencê-lo a não lutar, mas Akamatsu já perdeu a confiança nas pessoas…

battle_royale_1.jpgTítulo: Battle Royale
Autores: Koushun Takami (romance original) e Masayuki Taguchi
Volumes: 15
Peridiocidade: Mensal
Distribuidora: Conrad
Preço: 12,90



A Negociadora
novembro 19, 2006, 2:19 pm
Filed under: Cinema

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 A Negociadora, por Renata Cerqueira

Lançado em 2005, o filme conta a história de Laura Martian, uma negociadora de reféns que se encontra diante de complicados problemas profissionais e familiares. Como se não bastasse o que vem passando, Laura ainda vai se defrontar com a missão mais delicada de sua vida: negociar com uma amiga que, disposta a tudo para salvar a filha, faz inúmeros reféns dentro de um hospital.

Quando se descobre que um filme é baseado em fatos reais, normalmente o mínimo que se espera é que tal produção nos ofereça um enredo interessante, algo inusitado. Afinal, se uma história verdadeira não for boa o suficiente para render um filme, quais outros motivos levariam a adaptá-la para as telas do cinema? Atento a esse pressuposto, “A Negociadora” nos apresenta uma narrativa com alto potencial cinematográfico, podendo abranger gêneros que vão desde o drama até o policial. No entanto, o grande problema é que o público fica ali, à espera de um potencial que não se desenvolve, mas que só explora exatamente aquilo que já foi feito diversas vezes em outras produções – e que aqui está de uma forma muito mais sem sal, diga-se de passagem.

Falta agilidade à trama, inclusive no que diz respeito à edição das imagens. Sem contar com seqüências vibrantes, de cortes rápidos e trilha sonora acelerada, o filme fica quase quieto, bem manso, como se não soubesse que pertence a um gênero que pede movimento, energia, suspense. Não dá para ficar tenso se falta emoção. O máximo de sentimento que a obra pode conseguir provocar é o de solidariedade com a história de uma mãe que sofre com a doença de sua filha. Mas, como o foco central do filme é na negociadora de reféns, muito dessa emoção acaba ficando ali… justamente nas cenas que foram deixadas de gravar.

Outro aspecto que pode se tornar frustrante para o espectador é aquela sensação de que “eu já vi esse filme antes”. A primeira razão para tanto é o fato de “A negociadora” apresentar um enredo extremamente parecido com o filme “Um Ato de Coragem” (2002), estrelado por Denzel Washington. Nesta outra obra, a história gira em torno de um pai que, sem ter condições de pagar um transplante de coração para o seu filho, resolve fazer de refém o setor de emergência de um hospital. Essa semelhança de narrativas poderia até não ter nada demais, desde que “A negociadora” tentasse buscar novos recursos e situações, e não só transferir o foco principal do familiar desesperado para uma agente policial. O segundo motivo que colabora rumo ao fracasso do filme é a sucessão de clichês que se desenvolve ao logo da trama. Nada de novo, nada que capture muito o interesse do público.

O filme, no entanto, pode ser um bom passatempo para quem não liga de ver o repetido pela terceira vez. Embora não deixe o espectador na ponta da cadeira, “A Negociadora” também não chega a ser entediante – talvez até por ficarmos sempre ansiosos pelo que se anuncia, mas que nunca chega. Por outro lado, para quem está à procura de um filme que envolva o público não só pela mera expectativa, mas pela qualidade, vibração e abordagem diferenciada, é melhor pensar em alguma outra opção de filme. Mas para quem pensa que esses critérios são dispensáveis, vale o recado: a tv aberta exibe uns filmes bem interessantes de vez em quando – e o melhor de tudo é que é de graça.



As Torres Gêmeas
outubro 9, 2006, 11:44 pm
Filed under: Cinema

As Torres Gêmeas, por Tarcízio Silva

Cinco anos: até que demorou pra Hollywood começar a fazer filmes-castástrofe sobre o ataque de 11 de setembro de 2001. Neste ano já foi lançado o Vôo 93, sobre um dos aviões atacados. As Torres Gêmeas (World Trade Center), dirigido por Oliver Stone, conta a história de dois policiais que foram soterrados em um dos desabamentos.

O filme começa bem. Com cara de documentário, vai mostrando cenas de Nova York ao amanhecer. Metrô, ruas ainda vazias e pontos turísticos, como a Estátua da Liberdade ou o World Trade Center mostrando sua magnitude ao fundo de um plano geral imenso. A calmaria antes da tempestade, anunciada quando o letreiro finalmente exibe “Nova York, 11 de setembro de 2001”. Então somos levados para o Departamento da Polícia Portuária de Nova York. A cena em que os policiais são designados para suas tarefas parece existir somente para mostrar o quanto aquela cidade é acolhedora. Os policiais nomeados nesse começo de filme parecem todos vindos de países latinos e Europa Oriental. Um deles é o oficial William J. Jimeno (Michael Peña), que vai contracenar Nicolas Cage. Este é o tenente McLoughlin, o americano comum.

O trunfo do filme é o período em que os dois policiais ficam embaixo dos escombros. A montagem alterna entre os policiais, suas famílias e as equipes de resgate, que não sabem onde estão. Maggie Gyllenhaal interpreta Allison, a esposa do oficial Jimeno. Realiza bem cenas morbidamente constrangedoras, da espera por notícias do marido – ou de sua morte. Mas a família McLoughlin, encabeçada por Donna (Maria Bello) é prejudicada por exageros do roteiro, beirando o sentimentalismo. Por outro lado, as cenas com os policiais são ótimas. Antes quase desconhecidos, tornam-se amigos sob o medo da morte, de nunca mais rever as famílias.

Durante algumas seqüências, fica a dúvida: este drama precisaria mesmo ser no World Trade Center? Apesar das belas seqüências do começo, o fato do desastre pessoal de Jimeno e McLoughlin acontecer no WTC acaba por prejudicar a tensão claustrofóbica criada por Stone. Parece ter sido uma decisão pelo sempre chamativo “Baseado em fatos reais”, ainda mais em algo tão recente.

Algumas cenas alheias ao drama particular dos policiais são exibidas, apesar de inúteis. Pessoas de todo o mundo assistindo às transmissões dos atentados e declarações de George Bush e do ministro da defesa Donald Rumsfeld. Todas elas são estéreis, sem um posicionamento claro. Nem uma abertura interpretativa à la Gus van Sant nem parcialidade escancarada como o Falcão Negro em Perigo, de Ridley Scott. Oliver Stone parece titubear, sem saber o que (pode) dizer.

Escancarado é o sentimentalismo e a supervalorização dos personagens envolvidos no atentado. Como não poderia deixar de faltar, várias cenas exaltam os “heróis americanos”. Por exemplo, quem descobre os policiais nos escombros é um ex-militar religioso (deus e guerra, tudo que o americano gosta), que se infiltra na região dos atentados por puro altruísmo. No final das contas o filme é uma diversão razoável, com alguns bons momentos. Mas não se esqueça de locar Fahrenheit 11/9 no caminho de casa. Certo ou não, Michael Moore soube ser enfático, algo do qual Stone passou longe…



Lovecraft
outubro 1, 2006, 11:38 pm
Filed under: Quadrinhos

Lovecraft, por Tarcízio Silva

E se as criaturas criadas por Howard Phillips Lovecraft nos contos que mais tarde seriam categorizados por August Derleth como os Mitos de Cthulhu fossem reais? O romance gráfico Lovecraft propõe que o escritor foi perseguido por algumas de “suas” criaturas e os cultistas destas, incomodados pela publicação de seus trabalhos.

H. P. Lovecraft foi um contista de horror do início do século XX. Em seus escritos, a humanidade é irrelevante para o universo. Nos contos da fase chamada Mitos de Cthulhu, foi criada uma mitologia própria: além das divindades ‘verdadeiras’, existiriam algumas criaturas na Terra, os Grandes Antigos, tão poderosos que chegam a ser cultuados como deuses. Antes da humanidade florescer, esses monstros foram banidos e esperam uma oportunidade de reinar novamente. O Necronomicon, um livro mágico maldito, seria a chave para abrir o portal. A premissa da revista é de que este livro realmente existiu, e Lovecraft o recebeu como “herança”.

Adaptado por Keith Giffen, o roteiro de Hans Rodionoff é uma homenagem fundamentada. Fica claro que foi baseado em um amplo trabalho de pesquisa. São identificáveis referências históricas e minúcias biográficas, além da inevitável referência a estruturas narrativas lovecraftianas recorrentes. A introdução escrita pelo cineasta John Carpenter deixa clara a importância do escritor para grandes nomes do horror, como Stephen King e Clive Barker. O próprio Carpenter já homenageou Lovecraft com a premissa e o título original de À Beira da Loucura (em inglês The Mouth of Madness, referência a At The Mountain of Madness).

O horror cósmico criado por H. P. Lovecraft é um desafio para quem queira construir uma representação visual, principalmente se for estática, como no caso dos quadrinhos. Lovecraft construía suas criaturas sempre em termos de inadequação ao mundo e à compreensão humana. A vagueza de descrição era intencional, pois o narrador protagonista não tinha parâmetros de comparação para o “inominável”. O desenhista argentino Enrique Breccia faz um bom trabalho. Seu estilo não é realista, por isso mesmo atinge o objetivo. Os monstros aparecem de forma explícita, apesar disso não ficam banais. Talvez o resultado fosse ainda melhor se o uso de penumbras fosse mais freqüente, mas nada que comprometa a obra.

Alguns detalhes são deleites para os fãs. O desprezo de Lovecraft por seu conto Herbert West: O Reanimador, encomendado pela revista Weird Tales, é mostrado numa conversa com o editor da revista pulp, Edwin Baird. Como não poderia faltar, alguns dos escritores colaboradores de Lovecraft (mais tarde conhecidos como o “círculo lovecraftiano”) aparecem, como Frank Belknap Long e Robert E. Howard. E talvez a melhor das miudezas seja o encontro com o ilusionista Houdini, para quem trabalharia como ghost writer do conto Aprisionado com os Faraós. Atenção também para o papel de Edgar Allan Poe como ídolo e influência para Lovecraft. Apropriadamente uma citação de Poe abre a revista.

Mesmo quem sequer ouviu falar em Lovecraft pode apreciar a revista. Em passagens mais obscuras, notas de rodapé esclarecem o leitor. Se o neófito em Lovecraft não vai sorrir como o fã para cada referência, aos borbotões por página, ao menos vai ser despertado para um autor tão rico, embora ainda sem a fama merecida, setenta anos depois da morte.