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Mas é a cara do filho do demo! by untitled2
janeiro 23, 2007, 9:37 pm
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O bebê de Rosemary (1968), por João Barreto

Rosemary (Mia Farrow) é a esposa perfeita do casal perfeito de propaganda de margarina. Casada com um ator médio, Guy Woodhouse (John Cassavetes), mas que tem possibilidades de ascensão, o casal se muda para um magnífico prédio localizado em uma área cara e badalada de Nova Iorque, a cidade maçã. Rosemary quer filhos, o marido também, pouco importam as histórias estranhas que o amigo do casal os conta sobre o prédio pra onde se mudaram. Tudo bem que a decoração é um pouco lúgubre e os vizinhos um pouco afetados, mas quem se importa? Afinal casais de propaganda de margarinas têm todo o tempo do mundo e nada poderia dar errado com eles. O que Rosemary não sabe é que começará a ouvir coisas e supor coisas. Será isso decorrente da gravidez de primeira viagem? Será que há pessoas que estão armando um complô para levar o filho de Rosemary? Será que as afetações dos seus vizinhos na verdade não esconderiam um seita demoníaca de feiticeiros amiguinhos do demo?

Com uma sinopse dessas, falar que um filme de terror se propõe a assustar é chover no molhado. O que está em questão é como um filme de terror se propõe a assustar o seu público. Como constrói a tensão a ponto de fazer você roer unhas ou morder o canto da boca até se machucar? Como faz você suar frio? O cinema de terror e horror em geral opta por cenários sombrios, lúgubres. A nova morada dos Woodhouse é levemente sombria, mas esse tipo de construção de cenário não é o dominante no filme. Uma das cenas mais tensas é certamente no consultório do médico de Rosemary, uma sala em tons pastéis, quando ela é levada para parir. O apartamento da protagonista, diga-se de passagem, é iluminado e colorido, próprio da estética dos anos sessenta. Lembremos de O Iluminado (1980), que é super colorido e deixa você de cabelo em pé.

Um outro recurso interessante de O Bebê de Rosemary, que é próprio do gênero, é o não mostrar. Insinuar, deixar a dúvida, não mostrar o bebê quando parido é ótimo para manter o interesse do público. Queriam matar o bebê de Rosemary? Ele morreu? O beibe é realmente o filho do demo? A criança sequer identidade tem: não recebe nome! Além disso, os planos são fechados, quietos, com uma câmera quase imóvel, com closes nas expressões ora ingênuas, ora aterrorizadas de Rosemary. O cenário mais constante é o apartamento, o que traz uma idéia incômoda para o público (o que é ótimo!) de confinamento. A claustrofobia se instaura no público por conta do confinamento da nossa heroína. Ela poderia sair de casa se quisesse, mas quem disse que o roteiro permite? Sequer mostra as situações externas na maior parte do tempo, trabalhando com muitas elipses, mesmo porque tem que dar conta dos nove meses de gestação doentia de Rosemary. Esta, aliás, vai sistematicamente se tornando um cadáver ambulante a tropeçar nas próprias olheiras.

O roteiro opta ainda por segurar a dúvida sobre a situação de Rosemary (paranóia ou seu filho é mesmo o filho do demo?) um pouco mais, quase até o fim. São constantes os escorregos da protagonista para situações de delírio, sonho, pesadelos e o diretor confia na inteligência do público. Polanski não dá a entender que se tratam de sonhos quando são sonhos e ainda os mistura com a realidade de modo que entramos na percepção de Rosemary e no seu estado de confusão mental.

Aliás, Rosemary é tão bem construída para o contexto no qual está inserido (de produção de tensão) que merece um parágrafo só para ela. Mia Farrow montou um personagem infatilizada, o que torna a decisão de Rose ainda mais diabólica no final da película: simples, porém assustadora. Durante o filme, o público está sempre se questionando se Rosemary perdeu o juízo ou se realmente estão a tramar contra ela. Um roteiro bem amarrado não se resolve sozinho sem atrizes da competência da dona Farrow. Aliás, os textos fílmicos vinculados ao fantástico tendem a ser bem-sucedidos quando optam por deixar o público em dúvida. Fornecer pouca informação ao público é uma ótima sacada.

E ainda, vamos lembrar que estamos em pleno anos sessenta com sutiãs pegando fogo pela América e Europa por obra de feministas radicais. A sexualidade é algo que começa a deixar de ser tabu e o hippies pululam aqui e acolá. Rosemary, além de infantilizada, é também muito sexual, de onde advém uma clara fantasia de pedofilia. Contrapor padrões morais instituídas também é uma particularidade do terror fílmico que é sempre atual. Com O Bebê de Rosemary não haveria de ser diferente, o que dá ares de universalismo ao filme. Pedofilia ainda é crime e espero que assim permaneça por bastante tempo.

O filme traz ainda cenas de nudez entre homens e mulheres de idade variada. Se sexo e morte são tabus, o terror opta por empregá-los nas suas construções dramáticas. Porque o que choca e provoca deixa o público preparado para tomar sustos. O sexo em O Bebê de Rosemary é em geral tratado por elipse mas não está ausente. Aliás, sexo no cine-terror tem sido em geral um clichê muito mal utilizado nas produções contemporâneas. Clichês são ótimos quando estão em harmonia com o roteiro (como em O Bebê de Rosemary), afinal são estratégias de roteiro que se mostraram historicamente bem-sucedidas.

Temos ainda uma trilha sonora bem demarcada e absurdamente literal para deixar o público já no clima. Mas a obviedade da trilha nem incomoda muito. O Bebê de Rosemary tem muita, mas muita coisa boa e funcional apesar da trilha e não é por acaso que provoca tensão, pavor e asco, emocionando dessa forma o seu público. É porque é bem construído, bem amarrado. É porque o zíper da roupa de borracha do monstro está bem escondido e a maquiagem não derrete. É porque tem momentos de humor bastante amargo, como quando o marido insinua que havia estuprado Rosemary para que ela engravidasse porque era esse o dia em que haviam planejado para começar a tentar ter filhos. Não há comic relief verdadeiro! É porque percebemos que algo não está certo com aquele casal, prédio e vizinhos não porque isso nos e jogado na cara. O Bebê de Rosemary é muito bem realizado e sofisticado e isso é tão simples de fazer quanto beber cicuta. É pois por conta disso que não envelhece mesmo se passando nos anos sessenta; poderia muito bem ter acontecido ontem.



Moças, brincos e pérolas! by untitled2
janeiro 23, 2007, 9:18 pm
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Moça com brinco de pérola (2003), por João Barreto


Moça com Brinco de Pérola
se propõe, antes de mais nada, a ser uma crônica do século XVII. A narrativa, situada na Holanda do pintor Johannes Vermeer, não pode se eximir, entretanto, do seu caráter de romance histórico – no caso, metaficção. Dessa forma, deve ser verossímil, mas até certo ponto, uma vez que, se propõe a tal, pode se desvincular de exigências de verdade histórica incontestável e se recolher ao relacionamento. Assim, na teoria tudo fica até mais interessante. Mas a verdade é que Moça com Brinco de Pérola é um filme chato.

A idéia era boa. O pintor Johannes Vermeer (Colin Firth) trabalha sob a tutela financeira do mecenas depravado e geriátrico Pieter Van Ruijven (Tom Wilkinson). Vermeer pinta telas maravilhosas com ótima noção de perspectiva e iluminação, telas que serão conhecidas mundialmente por séculos, inclusive a tela do título que traz, veja só, uma bela moça com brinco de pérola. E se a moça fosse a empregada do pintor? Por que não? Uma ou outra pitadinha de ficção na história deixa as coisas mais atraentes, até divertidas. É fato que o filme não consegue ser tão atraente. Parece que só restou a idéia.

A câmera é chata, convencional. Se fosse melhorzinha, mais dinâmica, talvez pudesse até sustentar uma narrativa sem argumento como a do filme em questão. Há o roteiro, há a idéia de especular sobre as origens de uma obra e há ainda a admiração da pobre Griet (Scarlett Johansson) pela arte do seu patrão e pela figura do mesmo, mais como tutor do que como amante. Há dúvidas sobre a existência de uma tensão sexual entre os dois na narrativa fílmica. Vermeer admira a beleza de Griet e o que disso pode tirar. Griet provavelmente vê no seu patrão uma projeção do seu pai, a seu modo uma espécie de artista também. E ficamos nisso. Nas insinuações, nas especulações. Griet não aceitou o relacionamento com o açougueiro Pieter (Cillian Murphy, ruivo e lindo) porque estava apaixonada pelo patrão? Acho que não. Aliás, difícil saber. Pelo menos o diretor nos poupa de ouvir vozes interiores e narrações em off chatas explicando conflitos internos dos personagens e as suas respectivas motivações. Se era pra ficar a dúvida, ótimo, esse nem é o problema. O problema está quando isso se junta com um roteiro deficiente.

A música do filme é linda, hipnótica, mas em algum momento nos abandona. Daí os planos são leeentos, a câmera se desloca cinco milímetros pra direita, cinco pra esquerda e pára. Sentimos muita falta da música nesse momento, que traz um tema de descoberta, que é pelo que Griet passa nos minutos iniciais do filme e só volta quando o quadro título começa a ser aprontado. É isso o que é Moça com Brinco de Pérola, um quadro impressionista holandês. Tudo funciona em função disso, inclusive a iluminação. Parece que alguém com muito dinheiro estava disponível para brincar de imitar quadros. E só. O filme não consegue ser mais nada além disso, um quadro que se mexe, e se mexe bem pouco.



A propósito do BBB7 by untitled2
janeiro 13, 2007, 1:07 am
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Feira das Vaidades (2004), por João Barreto

Os créditos de Feira das Vaidades anunciam que algo estará a disposição, ou talvez em exibição, nas quase duas horas e trinta de filme para que transações comerciais aconteçam. Beleza e prestígio, status e privilégios, paixões e frivolidades são tornados passíveis de barganha na feira de vaidades que é a sociedade inglesa do início do século XIX. Estes itens podem ser a própria moeda de troca ou podem ser comprados por dinheiro, casamentos estratégicos e as mais frágeis ligações perigosas. Enquanto a fotografia – azulada – pertence às ruas desta Londres, as pomposas festas da alta sociedade são retratadas em cores vibrantes e tons de vermelho. Esse é o palco onde o cinismo e o jogo de interesses entre aqueles que têm prestígio (seja de berço ou por sucesso financeiro) e aqueles que querem prestígio efetivamente acontecem. Mulheres e homens são pavões fazendo o máximo para se dar bem.

Com alguma desenvoltura, a nossa anti-heroína Rebecca Sharpy (Reese Whiterspoon, de Johnny e June) tenta a todo custo achar o seu lugar na nata – meio coalhadinha – da hipócrita sociedade inglesa. A legalmente loira Becky, filha de uma cantora de ópera francesa e de um pintor inglês pobre, quer chegar ao topo e não poupa esforços para isso. Becky, o anjo mau, sabe desde cedo onde está se metendo: o filme logo no início mostra a menina Sharpy brincando com marionetes e as associações com as maquinações posteriores são diretas.

Becky começa como preceptora e dama de companhia e assim tem acesso a famílias ricas e com herdeiros promissores. Sucessivos fracassos e rejeições são contornados com destreza e cinismo e lá vai novamente Becky arrastando o baú com suas iniciais gravadas. Em Feira das Vaidades, cinismo se paga com cinismo, e nada poderia ser mais divertido. A diversão fica por conta da intriga e do bom humor ácido com sotaque pomposo. Melhor que BBB.

À sociedade pós-vitoriana sobra como diversão ridicularizar os seus próprios membros. Em meio a agressões pouco sutis nas conversas, heranças resguardadas ou perdidas, títulos de nobreza comprados e falências, o que coloca todos os personagens no mesmo balaio é a sua amoralidade. Diga-se de passagem: mulheres e crianças primeiro. A inocência e a ingenuidades são punidas, a exemplo da única amiga de Rebecca, Amélia Sedley (Romola Garai), grávida e viúva, apaixonada ainda pelo finado, George Osborne (Jonathan Rhys-Meyers), afetado, cretino e novo rico ainda por cima!

As marionetes com as quais a afiada Srta Sharpy, que acaba promovida a Sra. Crawley lá pelas tantas, brincava na infância anunciavam o futuro. A loura manipula os ricos e, obviamente tem que entrar na brincadeira, é manipulada por eles, virando inclusive dançarina em coreografia exótica e oriental. Na feira de vaidades, todos são pavões exibindo-se em troca de favores. Umas das cenas mais interessantes nos traz a metáfora com as aves de forma bastante explícita: Becky, tomada como protegeé pelo Marquês de Steyne (Gabriel Byrne), é conduzida, em um sarau, para um recinto com as damas da sociedade presentes. Estas naturalmente evitam o pato bonitinho mas sem pedigree. Lady Steyne (Kelly Hunter), ameaçada pelo marido (Byrne), na qualidade de anfitriã, resolve que vai tocar piano e convida a Sra. Crawley para cantar. Pouco depois as mulheres começam a se aproximar, atraídas não pela música ou pela voz da loira. Em seguida entram na sala os cavalheiros. Nenhum deles vacila ou hesita, atrapalha a pose. Os atores que compõem a cena são quase pássaros nesse momento.

Embora muito deslumbrante e com cenários e figurinos impecáveis, Feira das Vaidades sofre com alguns problemas técnicos. O argumento sofreu na transição da literatura para a linguagem cinematográfica. O filme é baseado no livro homônimo de William Makepeace Thackeray, originalmente uma novela satírica de costumes e foi publicado originalmente entre 1847 e 1848. Assim, algumas ações de personagens não têm motivações claras, eles por vezes mudam de opinião rápido e fácil, da água para o vinho e não me venham dizendo que é da narrativa que não é. Dá pra notar uma esquisitice quando se vê uma. Em contrapartida os saltos no tempo narrativo embora compreendam extensos períodos estão bem amarrados e ninguém fica boiando no cinema. Detalhe para o figurino da Reese Whiterspoon. Becky usa geralmente vermelho quando está em ascensão, o que dirige toda a atenção das cenas quase sempre para ela e veste um elegante azul-pavão quando está no topo. Contudo só veste branco uma única vez.

Apesar de alguns excessos como diálogos desnecessários ou interpretações fora de medida, Feira das Vaidades é uma boa diversão descompromissada. É só não esperar mocinhos ou mocinhas, mas anti-heróis interesseiros e alpinistas sociais em geral. O próprio autor do romance original deu como subtítulo à sua obra “Uma novela sem heróis”. Fofoca, intriga e maledicência nunca foram tão divertidos.



Carrie White queima no inferno! by untitled2
janeiro 10, 2007, 4:02 pm
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Carrie, a Estranha (1976), por João Barreto

Se fizessem uma votação para eleger a cena de filme mais parodiada da história do cinema, o final de Casablanca, quando Rick (Humphrey Bogart) abre mão de Ilsa (Ingrid Bergman), que foge da guerra em um avião para Lisboa, ganharia de lavada. A segunda cena mais parodiada seria a do banho de sangue em Carrie, a Estranha. Você não se lembra? Em poucas palavras, seria mais ou menos isso: Carrie (Sissi Spacek) acaba de ser coroada Rainha do Baile de Formatura – evento importantíssimo na sociedade norte-americana ainda hoje – e toma um banho de sangue de porco. O sangue de porco havia sido colocado em um balde logo acima do palco especialmente para ela por alguns espíritos de porco. Essa cena já foi citada e reproduzida em um sem número de filmes da Sessão da Tarde. E mais trocentos programas especiais da televisão aberta.

O filme de Brian De Palma é de 1976 e até hoje permanece um clássico do horror. Inigualável. Baseado na história de Stephen King, sendo inclusive o primeiro livro comercializado dele, Carrie é a história do bode expiatório que tem a oportunidade de se vingar, de se fazer ouvir, mesmo que seja através do assassinato. Como assim não sabe o que é “bode expiatório”? Ora, vamos lá, a sua turma tinha um(a). Você sabe quem era. O(a) garoto(a) quieto(a) que aguentava toda e qualquer chacota da turma, só porque era ou mais fraco, ou mais tímido, ou mais nerd, ou negro ou gay etc. Crianças podem ser realmente cruéis com outras crianças quando querem e geralmente elas querem ser crúeis, é da sua natureza. Adolescentes, então, nem se fala.

E ainda, Margaret White (a assustadoramente competente Piper Laurie), mãe de Carrie, é a típica fanática religiosa. Vê pecado em todo lugar, exceto em si mesma. Acha que vai redimir a filha ao trancá-la por horas a fio em um armário para rezar. Carrie é ultrajada, desrespeitada e humilhada, e isso começa em casa. Margaret sequer explicou à filha os detalhes da adolescência feminina. Por isso Carrie pensa que está morrendo quando finalmente menstrua.

A grande sacada da história toda reside no modo como Carrie se vinga dos coleguinhas, da mãe, e do que mais aparecer em sua frente. O que o bode expiatório da turma poderia fazer se tivesse poderes – sonho de todo mundo é ser X-Man -; como agiria? King, mestre da literatura de horror contemporânea, responde essa pergunta e De Palma manda pras telonas com propriedade. A Carrie caracterizada pela sua câmera não é um monstro impiedoso. Pelo contrário, é alguém de quem podemos sentir pena e empatia. E isso é construído pela música que lhe dá idéia de ingenuidade, pela câmera lenta e em enquadramentos que a associam a fraqueza e à idéia de desamparo. Pelo som do filme que a faz meiga e feminina, mas tímida em contrapartida com as suas colegas que aparecem em closes caricatos.

E por falar em De Palma… Quanto aos aspectos mais técnicos, em se tratando de anos setenta, o filme não deixa a desejar. Os efeitos de câmera estão no lugar certo, obedecendo à estética da época, e mesmo os efeitos especiais são dosados. E não, o sangue não respinga na sua pipoca enquanto você está assistindo ao filme. Ponto para o senhor De Palma. O tempo do filme não provoca tédio, pelo contrário. A história ganha agilidade na adaptação e o ritmo não é de modo algum prejudicado. E a fotografia, bom, basta assistir à cena do baile, quando os holofotes ficam vermelhos e a matança começa, mostrada em tela divida: Carrie com uma expressão congelada de ultraje e raiva no rosto em uma metade da tela, e a hecatombe na outra metade. O diretor trabalhou muito bem com o que tinha disponível à época. Aliás, a expressiva Sissi Spacek foi realmente uma descoberta.

Sissi Spacek é a escolha ideal para o papel. Havia disputado a vaga com uma outra Carrie, a Fisher. No final, as duas acabaram trocando os respectivos papéis conseguidos. Carrie Fisher optou por interpretar a Princesa Leia Organa, da primeira trilogia Star Wars, que ia ser originalmente da Sissi Spacek, e esta escolheu interpretar Carrieta White. Cada uma ganhou o estrelato a seu modo. Sissi tacou fogo em um colégio inteiro e chutou o traseiro de alguns bastardos. Carrie Fisher ficou com Jabba, Han Solo e um pai que curtia se vestir de preto e arrancar mãos alheias com o seu sabre de luz. Para não ter que falar da voz mecânica.

Carrie é uma história de vingança que deu certo, a seu modo. E não estranhe se você se identificar com ela e se perguntar se, no lugar dela, não teria causado mais destruição. Carrie representa o que há de primitivo na raiva, ela é a encarnação do querer ser respeitado independente de qualquer outra coisa, uma necessidade básica para toda pessoa, sobre a qual se apóia a ética clássica. O horror na história não reside na matança em si ou nos poderes telecinéticos dela, e sim na vida cruel que ela levava, hostilizada por tudo e por todos, um espectro infeliz e nada mais. A morte para Carrie é antes uma benção e única solução narrativa eficaz e verossímil.



A Negociadora by Tarcízio Silva
novembro 19, 2006, 2:19 pm
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 A Negociadora, por Renata Cerqueira

Lançado em 2005, o filme conta a história de Laura Martian, uma negociadora de reféns que se encontra diante de complicados problemas profissionais e familiares. Como se não bastasse o que vem passando, Laura ainda vai se defrontar com a missão mais delicada de sua vida: negociar com uma amiga que, disposta a tudo para salvar a filha, faz inúmeros reféns dentro de um hospital.

Quando se descobre que um filme é baseado em fatos reais, normalmente o mínimo que se espera é que tal produção nos ofereça um enredo interessante, algo inusitado. Afinal, se uma história verdadeira não for boa o suficiente para render um filme, quais outros motivos levariam a adaptá-la para as telas do cinema? Atento a esse pressuposto, “A Negociadora” nos apresenta uma narrativa com alto potencial cinematográfico, podendo abranger gêneros que vão desde o drama até o policial. No entanto, o grande problema é que o público fica ali, à espera de um potencial que não se desenvolve, mas que só explora exatamente aquilo que já foi feito diversas vezes em outras produções – e que aqui está de uma forma muito mais sem sal, diga-se de passagem.

Falta agilidade à trama, inclusive no que diz respeito à edição das imagens. Sem contar com seqüências vibrantes, de cortes rápidos e trilha sonora acelerada, o filme fica quase quieto, bem manso, como se não soubesse que pertence a um gênero que pede movimento, energia, suspense. Não dá para ficar tenso se falta emoção. O máximo de sentimento que a obra pode conseguir provocar é o de solidariedade com a história de uma mãe que sofre com a doença de sua filha. Mas, como o foco central do filme é na negociadora de reféns, muito dessa emoção acaba ficando ali… justamente nas cenas que foram deixadas de gravar.

Outro aspecto que pode se tornar frustrante para o espectador é aquela sensação de que “eu já vi esse filme antes”. A primeira razão para tanto é o fato de “A negociadora” apresentar um enredo extremamente parecido com o filme “Um Ato de Coragem” (2002), estrelado por Denzel Washington. Nesta outra obra, a história gira em torno de um pai que, sem ter condições de pagar um transplante de coração para o seu filho, resolve fazer de refém o setor de emergência de um hospital. Essa semelhança de narrativas poderia até não ter nada demais, desde que “A negociadora” tentasse buscar novos recursos e situações, e não só transferir o foco principal do familiar desesperado para uma agente policial. O segundo motivo que colabora rumo ao fracasso do filme é a sucessão de clichês que se desenvolve ao logo da trama. Nada de novo, nada que capture muito o interesse do público.

O filme, no entanto, pode ser um bom passatempo para quem não liga de ver o repetido pela terceira vez. Embora não deixe o espectador na ponta da cadeira, “A Negociadora” também não chega a ser entediante – talvez até por ficarmos sempre ansiosos pelo que se anuncia, mas que nunca chega. Por outro lado, para quem está à procura de um filme que envolva o público não só pela mera expectativa, mas pela qualidade, vibração e abordagem diferenciada, é melhor pensar em alguma outra opção de filme. Mas para quem pensa que esses critérios são dispensáveis, vale o recado: a tv aberta exibe uns filmes bem interessantes de vez em quando – e o melhor de tudo é que é de graça.



Love by petcom
novembro 8, 2006, 11:54 am
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                                                                       Love, por Carol Neves                                                               

Love é uma livre adaptação do livro Ana Karenina, de Tolstoi. Feito em 1927, teria uma nova versão, falada, em 1935, com Garbo novamente no papel de Karenina. Realmente é difícil pensar na transposição daquele livre, denso, para um filme de 84 minutos, mudo. A história central permanece a mesma, assim como o caráter dos personagens, porém – assim como na versão que seria feita 8 anos depois – todo o pano de fundo sobre a Rússia rural some, assim como personagens secundários, para se concentrar somente no amor entre Vronski e Ana. Algumas mudanças acontecem para dar mais suspense à trama, como por exemplo a maneira que Ana e Vronski se conhecem, numa estalagem no meio do nada, em plena tempestade, um sem saber nada do outro… Isso depois de alguns minutos de filme em que Greta Garbo passou com o rosto coberto, apenas sugerido. Até que na estalagem de repente ela revela o rosto – e está lindíssima, reluzente… Algo na fotografia do filme faz com ela pareça mais luminescente do que em qualquer outro filme que eu tenha visto com ela.

Garbo empresta certa vulnerabilidade exigida pelo papel; Ana é sempre muito bivalente, meio fraca, cheia de dúvidas. Até mesmo a postura dos ombros, algo caída, desanimada, faz parte dessa composição. Além do quê, sempre enxergo certa melancolia em Garbo, que parece pular da tela diretamente para o telespectador que a observa…

John Gilbert, que chegou a ser noivo de Garbo na vida real (ela pulou fora do casamento), faz um Vronski meio almofadinha, com ferocidade e um quê de presunçoso. Tudo isso nos faz não ter muito apreço pelo personagem, apesar de certa impetuosidade simpática que aparece vez ou outra. Contra ele, ainda, um corte de cabelo dos mais ridículos que já vi e um bigodinho de porteiro. Grande parte dessas impressões, porém, sempre vêm com o Vronski, pra mim, desde a leitura do livro – ele é um personagem que transpira imaturidade. Pra mim, o amor de Ana sempre foi pra Vronski, em grande medida, uma extensão do seu ego.Porém, quando juntos, algo funciona entre os dois; os gestos parecem se complementar, como numa espécie de coreografia. É possível sentir algo no ar. E o primeiro beijo consensual dos dois é lindo, de encher os olhos, com movimentos perfeitos – se é que isso faz algum sentido, posto dessa forma.Cheguei até aqui sem ainda falar da história, por presumir que seja conhecida. Ana é casada com um nobre russo, Karenin, com quem tem um filho. Um dia conhece e se apaixona por um membro de exército, Vronski. Fica dividida entre deixar o filho e ir viver com o amante ou continuar vivendo uma vida de aparências, como quer seu marido. O final do filme tem, entretanto, uma mudança radical e significativa. Provavelmente pra combinar com esse nome, Love… Que vai e volta fica aparecendo nos mais estranhos dos brindes no filme.O filme gira entre o relacionamento de Ana e Vronski, que muitas vezes parece uma coisa voluntariosa dos dois, já que o desenvolvimento no filme é feito de maneira muito rápida, e a relação de mãe e filho, que é interpretado por Philippe De Lacy.Eu tinha lido na biografia da Garbo que existe uma parte física entre mãe e filho muito forte, um ar sensual, mas acho que não fiz idéia de como era. Na verdade, a parte mais tocante do filme é justamente quando ela está com o filho, em que o amor entre os dois parece escorrer da tela, muito mais interessante do que ela e Vronski. Alguns gestos entre eles parece mais de dois amantes, como o aquele clássico tirar os cabelos do rosto, acaricia-lo para então acontecer um beijo… Que acontece muito entre Garbo e De Lacy nesse filme. É tão afetuoso, warming, Garbo está tão maravilhosa…

É um filme muito agradável de se assistir e superior à versão falada, apesar de em uns poucos momentos tentar adquirir um tom de piada que não cola. E apesar, claro, dessa mutilação feita ao final clássico – tão marcante.

Ficha técnica:Love (1927)
Direção: Edmund Goulding
Produção: Irving Thalberg
Roteiro: Francis Marion, adaptado da novella Ana Karenina, de Tolstoi.
Fotografia: William Daniels
Legendas: Marion Ainslee e Ruth Cummings
Edição: Hugh Wynn
Elenco: Greta Garbo (Anna Karenina), John Gilbert (Vrosnki), George Fawcett (grão-duque), Brandon Hurst (Karenin) e Philippe De Lacy (Seryosha).
Duração: 82 min País: EUACor: Preto e BrancoSom: Mudo  



As Torres Gêmeas by Tarcízio Silva
outubro 9, 2006, 11:44 pm
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As Torres Gêmeas, por Tarcízio Silva

Cinco anos: até que demorou pra Hollywood começar a fazer filmes-castástrofe sobre o ataque de 11 de setembro de 2001. Neste ano já foi lançado o Vôo 93, sobre um dos aviões atacados. As Torres Gêmeas (World Trade Center), dirigido por Oliver Stone, conta a história de dois policiais que foram soterrados em um dos desabamentos.

O filme começa bem. Com cara de documentário, vai mostrando cenas de Nova York ao amanhecer. Metrô, ruas ainda vazias e pontos turísticos, como a Estátua da Liberdade ou o World Trade Center mostrando sua magnitude ao fundo de um plano geral imenso. A calmaria antes da tempestade, anunciada quando o letreiro finalmente exibe “Nova York, 11 de setembro de 2001”. Então somos levados para o Departamento da Polícia Portuária de Nova York. A cena em que os policiais são designados para suas tarefas parece existir somente para mostrar o quanto aquela cidade é acolhedora. Os policiais nomeados nesse começo de filme parecem todos vindos de países latinos e Europa Oriental. Um deles é o oficial William J. Jimeno (Michael Peña), que vai contracenar Nicolas Cage. Este é o tenente McLoughlin, o americano comum.

O trunfo do filme é o período em que os dois policiais ficam embaixo dos escombros. A montagem alterna entre os policiais, suas famílias e as equipes de resgate, que não sabem onde estão. Maggie Gyllenhaal interpreta Allison, a esposa do oficial Jimeno. Realiza bem cenas morbidamente constrangedoras, da espera por notícias do marido – ou de sua morte. Mas a família McLoughlin, encabeçada por Donna (Maria Bello) é prejudicada por exageros do roteiro, beirando o sentimentalismo. Por outro lado, as cenas com os policiais são ótimas. Antes quase desconhecidos, tornam-se amigos sob o medo da morte, de nunca mais rever as famílias.

Durante algumas seqüências, fica a dúvida: este drama precisaria mesmo ser no World Trade Center? Apesar das belas seqüências do começo, o fato do desastre pessoal de Jimeno e McLoughlin acontecer no WTC acaba por prejudicar a tensão claustrofóbica criada por Stone. Parece ter sido uma decisão pelo sempre chamativo “Baseado em fatos reais”, ainda mais em algo tão recente.

Algumas cenas alheias ao drama particular dos policiais são exibidas, apesar de inúteis. Pessoas de todo o mundo assistindo às transmissões dos atentados e declarações de George Bush e do ministro da defesa Donald Rumsfeld. Todas elas são estéreis, sem um posicionamento claro. Nem uma abertura interpretativa à la Gus van Sant nem parcialidade escancarada como o Falcão Negro em Perigo, de Ridley Scott. Oliver Stone parece titubear, sem saber o que (pode) dizer.

Escancarado é o sentimentalismo e a supervalorização dos personagens envolvidos no atentado. Como não poderia deixar de faltar, várias cenas exaltam os “heróis americanos”. Por exemplo, quem descobre os policiais nos escombros é um ex-militar religioso (deus e guerra, tudo que o americano gosta), que se infiltra na região dos atentados por puro altruísmo. No final das contas o filme é uma diversão razoável, com alguns bons momentos. Mas não se esqueça de locar Fahrenheit 11/9 no caminho de casa. Certo ou não, Michael Moore soube ser enfático, algo do qual Stone passou longe…



Em Seu Lugar by petcom
outubro 3, 2006, 9:11 pm
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Em Seu Lugar,  por Renata Cerqueira

Por se tratar de uma obra que aborda basicamente as relações humanas, Em seu lugar (In Her Shoes, 2005) não nos parece uma história distante ou deslocada do nosso cotidiano. É um filme que trata de temas que já escutamos de um amigo, que já vimos acontecer com o vizinho e que constantemente bate a nossa própria porta. Sem ficar presa a um caso específico, a trama se constitui em uma condensação de situações, problemas e sentimentos comuns a todos, principalmente àqueles que se relacionam e convivem diretamente com alguém. Embora não caia na superficialidade, o filme peca quando tenta comprimir temas,  tão ricos e diversos entre si, em uma seqüência de encadeamentos que não fazem justiça às possibilidades cinematográficas existentes em cada um deles.

O filme é construído a partir da história de Maggie (Cameron Diaz) e Rose (Toni Collette), duas irmãs que sempre foram muito unidas, embora fossem completamente diferentes uma da outra. Enquanto uma era vaidosa, festiva e irresponsável, a outra era séria, metódica e desleixada com a própria aparência. Com o desenrolar do filme, no entanto, essas diferenças foram compondo um panorama de alegrias, conflitos, descobertas e aprendizados para ambas as personagens. O resultado é um percurso que, embora tenha apelado para alguns estereótipos, foi retratado sem lições de moral, maniqueísmos ou mudanças milagrosas de comportamento.

Sem tirar a importância do diretor Curtis Hanson, muitos dos méritos existentes na obra se devem, na verdade, à Jennifer Weiner. Autora do livro em que o filme foi baseado e um dos grandes destaques norte-americanos na nova Literatura Feminina, Jennifer vem cativando leitores pelo mundo afora. Um dos momentos mais interessantes do filme, por exemplo, é quando a personagem de Cameron Diaz faz uma referência indireta à própria escritora, quando lê um de seus poemas, “One Art”. Enquanto declama os versos e ao som de uma melodia suave, as imagens de Cameron começam a se alternar com cenas de sua irmã, fazendo emergir o forte ar de tristeza inerente à seqüência. Uma cena que, sem contar com interpretações exageradas e diálogos entre as personagens, deixa claro tudo que está emocionalmente se passando naquele instante.

Diante de cenas assim e de temas que variam desde traição e mentira até reencontro e união, torna-se até difícil classificar o filme segundo apenas um gênero cinematográfico. Assim como as nuances presentes na vida humana, Em Seu Lugar se divide em momentos ligados ao drama, à comédia e, até mesmo, ao romance. No entanto, essa alternância de gêneros parece ser empregada aqui com uma dupla função: ao mesmo tempo em que atende à proposta mais realista da obra, ela também funciona como um dispositivo que reclama a atenção do público nos momentos em que a trama começa a se perder. Com uma duração de mais de duas horas e sem bons elos que estimulem a passagem de um desses momentos para o outro, o filme atrai muito mais pela abordagem que se faz de cada situação, sempre muito delicada e sutil, do que pelo tal panorama retratado pela própria obra.



Pernambuco nada árido… by petcom
setembro 27, 2006, 3:58 pm
Filed under: Cinema

árido movie

Pernambuco nada árido…, por Gabriel Camões

Movimento “mangue beat”. Quem não conhece com certeza já ouviu falar.  Foi graças a ele que o estado de Pernambuco conquistou o seu lugar de centro da efervescência cultural nordestina. Resgatando facetas esquecidas, porém riquíssimas, da cultura popular do nordeste e aliando esses elementos ao Rock e a música eletrônica, os caras valorizaram a cultura de sua terra e reforçaram a identidade cultural, que hoje é admirada até fora do Brasil.

Nessa vertente caminha o último filme do diretor Lírio Ferreira, “Árido Movie” (Brasil, 2006), um perfeito representante da cultura “mangue” no cinema. Vencedor da categoria “melhor filme” no festival de Pernambuco deste ano, exalta de uma forma bem despojada todos os ícones e elementos que marcam a cultura pernambucana atualmente.

Essa reunião de ícones traduz muito bem o ambiente em que vive a galera do “mangue beat”, e isso se constrói de uma forma muito satisfatória no filme. Em outras palavras, “Árido Movie” tem potencial de se tornar “cult” para um público que se reconhece naqueles diálogos e que se encanta por cada momento da história, embora isso não garanta a perfeição na realização de uma obra.

“Árido Movie”, ao mesmo tempo em que tenta encontrar a fiel reprodução do que significa ser, em 2005, um típico pernambucano de classe média, vivendo na capital nestes padrões e que possui bagagem cultural acima da média, por outro lado busca reproduzir também a permanência de um conservadorismo readaptado nas cidades do interior.

A questão da identidade cultural parece ser o ponto em que Lírio quer dar mais atenção. Embora funcional e eficiente em muitos momentos,  eu acho que isso refletiu num excesso de coloquialismo, no que diz respeito ao uso no filme de expressões características do povo pernambucano. Faltou ao diretor ter a sensibilidade de em alguns momentos aliviar com o “pernambuquês”.
 
A trama em si é muito atraente. O protagonista é uma espécie de retirante bem sucedido. Jonas (Guilherme Weber) trabalha como homem do tempo numa grande emissora de TV em São Paulo. Quando o pai (Paulo César Pereio) que ele não vê desde criança é assassinado na fictícia cidade sertaneja de Rocha, Jonas se vê obrigado a voltar pra Pernambuco para enterrá-lo.

Com a dupla intenção de acompanhar o amigo “paulista” no seu momento difícil (e visitar terrenos férteis de maconha), três amigos de Jonas (Selton Mello, Gustavo Falcão e Mariana Lima), um trio de malucos, caem na estrada (referência clara aos “road movies”) e a partir daí se envolvem em situações das mais loucas, algumas sérias que deverão anular a impressão de que há uma alegre apologia à erva.

Um ponto que não poderia de deixar de mencionar… A atuação de Selton Mello. O ator destaca-se claramente na levada de um texto bastante coloquial e consegue se travestir genuinamente de pernambucano. Ele passeia no texto, encarna uma figura hilária e protagoniza a cena mais engraçada do filme, quando descreve minuciosamente a maneira perfeita de enrolar um baseado.

O filme nos apresenta um painel rico, mas ao que parece ali na tela, um pouco fora de controle. Não parece existir uma seqüência narrativa, o filme se perde e a história segue fragmentada, sem ligação consistente entre os vários núcleos de personagens. Cabe ao espectador sentir se essa fragmentação excessiva é boa ou não para ele e se isso prejudica o ato de apreciação da obra.

Por fim, penso que os vários elementos abarcados no filme e com grau de importância relevante na constituição da obra, como por exemplo, o peso e a força da paisagem árida, a riqueza cultural da capital e interior de Pernambuco e o suscitar da discussão do uso e produção da maconha, poderão fazer de “Árido Movie” um clássico das divergências entre fãs e críticos.



Eu vi uma comédia romântica e tinha uma terapeuta nela!, por Thiago Felix by petcom
setembro 17, 2006, 12:55 pm
Filed under: Cinema

Eu vi uma comédia romântica e tinha uma terapeuta nela!, por Thiago Félix

Não deve existir mais ninguém que fique realmente empolgado com a idéia de assistir a “mais uma comédia romântica americana” (principalmente se ela tiver um título tão desgraçadamente brega quanto “Terapia do Amor”). Para minha surpresa, lá estava eu na locadora prestes a levar para casa um exemplar deste, que para mim, é um novíssimo sabor de enlatado americano.

 

Lá vai a história: uma mulher de trinta e poucos anos recém separada, busca na terapia o alívio para sua perda, com o passar do tempo ela se envolve com um homem mais novo, algo em que sua terapeuta a apóia. Tanto a terapia quanto o relacionamento vão muito bem até que se descobre que a terapeuta e o namorado são mãe e filho (!) (pequeno parêntese, sinceramente não sei quem, em Hollywood, paga as pessoas pra ter este tipo de idéia, mas sei que essas mesmas pessoas tiveram a sacada de contratar Mary Streep para o papel da terapeuta, e a tarantinesca Uma Turman para protagonizar o filme, em que volta e meia fala coisas do tipo: “Você tem 22 anos? Eu tenho camisetas mais velhas que você!” ).

 

Não obstante o fato de a circunstância já ser, por si só, o samba do crioulo doido, eles ainda temperam a trama com o preconceito da família do rapaz por ela não ser judia, e o fato de ele ser um pintor em início de carreira, infantil e sem dinheiro. Esta aparente carência de curadoria empresta verossimilhança com os problemas da vida real, certa profundidade aos personagens e até algum charme a eles.

 

Não sei se é pela falta de familiaridade, mas o filme parece um pouco longo, já que os roteiristas não economizaram nas idas e vindas do casal. Diferente do que se costuma ver, eles não são “loucos-apaixonados-pra-vida-inteira”, sempre prontos pra se jogar da ponte se o outro não gostar do mesmo sabor de sorvete.  Os personagens inclusive ficam indecisos, sem saber se o namoro ultrapassará a barreira do sexo casual para se tornar um problema definitivo na vida dos três.

 

O filme ainda tem o trunfo de se ambientar em Manhatan e fica se aproveitando disso para esboçar aquela atmosfera maravilhosa dos filmes de Woody Allen; o que ,convenhamos, é bastante bom. A personagem da Uma Turman é bastante culta, trabalha com moda e namora um pintor, óbvio que isso é uma porta aberta para algumas de referências que vão de Freud a John Coltrane. O filme tem ainda ótimos figurinos para a ótima atriz, que está linda e que na época estrelava a campanha de uma famosa grife de roupas. Ainda no capítulo moda repare na aparição relâmpago de ninguém menos que Tom Ford, um dos maiores nomes do mundo da moda, que aparece quase furtivamente.

 

Terapia do amor, que originalmente se chama Prime, surpreende pela abordagem do universo feminino, por ser mais inteligente que a maioria, por trazer um ótimo humor, pelas boas atuações, pela trilha sincera e por economizar no happy end… Mas ainda tem bastante da graça dos estúdios especialistas em explodir o mundo.