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O Pistoleiro, Vol. 1 da série A Torre Negra by untitled2
março 6, 2007, 7:36 pm
Filed under: Literatura


O Pistoleiro, Vol. 1 da série A Torre Negra, por Ian Castro de Souza*

Apresentando o panorama de um futuro pós-apocalíptico, Stephen King, um dos mais renomados mestres de horror que a contemporaneidade conhece, trouxe ao mundo, em 1978, a primeira edição de O Pistoleiro (The Gunslinger originalmente), o primeiro de uma série de sete livros, denominada A Torre Negra. Pode-se dizer que tal obra é, no mínimo, curiosa, pois condensa habilmente características dos gêneros de ação, suspense, terror e ficção científica num complexo enredo que leva o leitor a reflexões sobre o rumo auto-destrutivo que a sociedade está traçando.

O Pistoleiro trata-se, basicamente, da jornada de Roland, o último representante dos Pistoleiros (oriundos da Gilead), em busca do Homem de Preto, um obscuro sujeito – não propriamente um homem, mas sim um dos muitos enigmas propostos pela trama – que detém as respostas capazes de findar o processo de definhamento no qual o mundo em que vivem se encontra. As respostas que podem conduzir Roland a sua única e exclusiva razão de perdurar em seu caminho. As respostas que levarão o pistoleiro ao seu graal, a sua obsessão, ao trago que lhe foi privado: a Torre Negra, o eixo de todo o tempo e o espaço. Ao longo de seu caminho, a personagem principal se depara com personagens singulares como a “puta de rosto marcado” Allie, o pianista Sheb, o “comedor de erva” Nort, o fazendeiro Brown e seu corvo Zoltan, o garoto Jake e muitas outras personagens entre as quais o Ka – uma espécie de força absoluta que traça os caminhos dos seres vivos e não-vivos, vulgo Destino para os que crêem neste – designará aqueles que deverão segui-la em sua jornada, seu Ka-tet.

Até seu encontro com o Homem de Preto, Roland enfrentará situações estranhas, difíceis e até macabras: perdas, ganhos, mortes, conjurações espirituais; situações que ratificarão ao leitor o título de Pistoleiro dado a Roland e construirão em seu imaginário um mundo em ruínas, um mundo atemporal, um mundo no qual as distancias se distorcem e noites e dias tem durações variáveis, um mundo no qual um homem vaga sozinho por 1, 10 ou 100 anos…um mundo no qual não há certeza do “ontem”, do “hoje” e nem do “amanhã” mas há uma certeza absoluta: siga a Oeste e continue no feixe que leva á Torre Negra.

O mundo criado por King se faz interessante por ser, teoricamente, o mundo que conhecemos fisicamente – retificando: o que restou dele – mas não no mesmo “momento” ideológico que norteia a sociedade nos atuais dias. É um mundo que, nas palavras de King, “seguiu adiante” e tornou-se um lugar onde se unem magia e tecnologia numa fusão absolutamente intrigante e genial – fundamentada pela instauração de um mundo no qual a razão e a ciência foram substituídas pelo medo, a superstição e a ignorância. Este mundo propõe uma idéia muito forte – talvez a mais forte – da obra: a “regressão humana”. O gênero humano “evoluiu” – o emprego desta palavra aqui, apesar de antitético, é válido – até um ponto tal em que se auto-destruiu, eliminando todo o avanço intelectual humano que se deu a partir da modernidade e regredindo a um mundo no qual se temem as bruxas e os magos. Um mundo resultante da busca incessante pela “evolução” que, ironicamente, resultou na regressão tecnológica e ideológica do homo sapiens.

As personagens apresentadas possuem uma dosagem extremamente alta de realidade e “sinceridade” (talvez esta não seja a palavra mais adequada mas transmite exatamente a significação que pretendo demonstrar) que, muitas vezes, transformasse em grosseria – e sua linguagem, vulgar, não ameniza tal fato. Personagens como Allie, uma prostituta da cidade de Tull com a qual Roland se envolveu, são descritos de forma distante, analítica e detalhada, sempre ressaltando suas piores características – o que, ironicamente, traz uma solidez infinitamente superior ao objeto descrito do que o contrário. “Ela o encarou e talvez tivesse sido bonita quando começou, mas o mundo não parara o tempo. Agora o rosto estava todo marcado e a cicatriz esbranquiçada da testa parecia uma rolha. Ela a cobrira com muito pó-de-arroz e o pó chamava ainda mais atenção para o que pretendia camuflar.”, essa é a descrição de Allie, uma descrição que, não obstante cruel pra alguns, gera um sentimento imediato de identificação com a personagem e a eclosão inconsciente de um pensamento: “pessoas como esta existem”.

Na obra é notória a fusão bem sucedida do conceito de “novo” e o de “antigo”, de retrógrado e de atual. Roland, por exemplo, é o retrato de um cowboy. Mas não um cowboy tradicional como podemos ver nos antigos filmes de Clint Eastwood e sim um guerreiro que aprendeu a manejar seus revólveres (antigos modelos dotados de cabos de sândalo e capazes de disparar apenas 5 tiros) em prol da honra e da justiça – com muita disciplina e método, diga-se de passagem; quase como um samurai se tal comparação me for perdoada por vocês, caros leitores. Junto a estes conceitos (antigos) que identificam e particularizam Roland coexistem as habilidades surreais da personagem como invocar espíritos ou usar “O Toque” (espécie de semi-telepatia), além de muitas outras habilidades que ratificam o caráter não inovador, e sim original da personagem.

Percebe-se também que, em O Pistoleiro, durante a construção da realidade da obra são estabelecidas constantemente “pontes”, através de uma série de referências, com o mundo real e contemporâneo. Em sua maioria estas referências são musicais, como o nome de uma cidade onde o protagonista passa, Tull (que provém do nome de um grupo de rock chamado “Jethro Tull”, muito conhecido no âmbito social dos EUA durante a década de setenta) ou até a internacionalmente conhecida música dos Beatles, “Hey Jude” – citada exaustivamente durante o decorrer da narrativa. Também está presente na obra a referência geográfica. Durante travessia de Roland por um deserto, por exemplo, é fácil para um leitor, com o mínimo de atenção e conhecimento sobre a geografia dos Estados Unidos da América, perceber que se localiza na porção desértica dos EUA, onde encontra-se a cidade de Las Vegas – por sinal, a referência geográfica é praticamente uma assinatura de Stephen King, estando presente em outros livros como “O Talismã”, por exemplo. Porém existem referências críticas não tão explícitas ou óbvias como as anteriormente citadas. A “Erva do Diabo”, por exemplo, é apresentada durante a narrativa como um abundante vegetal de pequeno porte que, quando queimado, acreditava-se que liberava demônios que “hipnotizavam, chamavam, acabavam puxando quem olhasse para as chamas”, nas palavras do autor – qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência…ou não.

Diferente da maioria das obras de Stephen King, O Pistoleiro, assim como toda a série A Torre Negra, é uma grande obra que, como dito anteriormente, oferece ao leitor uma narrativa repleta de ação, mistério e ficção que propõe, além de entretenimento, cuidadosa reflexão social. È importante ressaltar que o livro, desde seu lançamento até os atuais dias, não agrada os fãs tradicionais do autor – que esperavam a mais pura manifestação do terror, como em todas suas outras obras – mas conquistou inúmeros novos fãs ao redor de todo o planeta tornando-se mais um sucesso a ser atribuído a Stephen King.

*graduando em Comunicação Social com habilitação em Produção Cultural