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Enganei o bobo na casca do ovo by Valéria Vilas Bôas
outubro 24, 2006, 12:41 am
Filed under: Televisão

Xou da Xuxa

Enganei o bobo na casca do ovo, por Valéria Vilas Bôas

 

Como parte das comemorações dos vinte anos de XUXA na emissora, a TV Globo exibiu no último dia 14, um especial sobre a trajetória da apresentadora – que estreou em 1986 com o Xou da XUXA.

Na onda dos revivals que têm pipocado aqui e ali em almanaques, brinquedos, publicidade e outras coisinhas mais, muita gente certamente se animou para rever a clássica cena da chegada da nave, as coreografias das Paquitas, Praga e Dengue e outros elementos da salada que era o programa infantil de maior audiência da segunda metade dos anos 80. A chamada comercial do programa destacava as cenas dos primeiros anos da “Rainha dos Baixinhos” na Globo, o que dava a entender que essa seria parte especial da comemoração.

Ledo engano. Durante uma hora e meia, pouquíssimas cenas de arquivo e muita massagem no próprio ego. Desde os primeiros blocos, dedicados à trajetória de Xuxa e aos arquivos dos seus programas na emissora, o que se via era uma encenação de motivos para “celebrar a celebridade” da mãe de Sasha. Personagens importantes da história do programa nem deram sinal de vida (ops, onde estavam os Paquitos, e Andréa Veiga?), em nenhum momento houve sequer alguma menção à Marlene Mattos – empresária que sustentou a carreira de Xuxa por anos – ou aos desenhos exibidos na programação. A única personagem a ser aclamada em todas as falas e mesmo nas passagens rápidas de cenas de arquivos foi uma só: Xuxa Meneguel.

Como se isso tudo não bastasse, no ápice da auto-referência, Xuxa entrevistou a si mesma numa paródia do quadro Intimidade – que apresentava no “Planeta XUXA” nos idos dos anos 90, para um público mais adolescente e adulto. A maior “revelação” da entrevista – anunciada pelo departamento comercial da emissora como algo que “será revivido com uma grande surpresa para o público” – foi a única pessoa que fez XUXA tremer na vida: Chacrinha.

Muito mais parecido com os trabalhos que XUXA vêm desenvolvendo agora, o programa, na verdade um show de estúdio gravado, teve bem menos participações especiais do que poderia (e participações menos representativas também) e muito mais cenas de louvação pessoal do que devia. Uma boa chance de Xuxa voltar a fazer alguém tremer jogada fora.

 

Pra quem não viu e quiser ter certeza de que não perdeu nada, o Youtube já tem o especial em partes (http://youtube.com/watch?v=_L48a_cn3wg) .

 



A Coisa by untitled2
outubro 14, 2006, 5:09 am
Filed under: Literatura


A Coisa, por João Barreto

A Coisa, livro de Stephen King, um dos mestres dos horror contemporâneo, foi originalmente publicado em 1987, quase vinte anos atrás. Será que ainda assusta? Agora, depois da terceira leitura, posso dizer que sim. Não só ainda assusta como o drama humano encoberto pelo sobrenatural da narrativa permanece atual e isso confere inegáveis marcas de universalidade à narrativa.

Vamos à sinopse. Em uma pequena cidade do Maine, nordeste dos Estados Unidos chamada Derry, um crime muito bizarro aconteceu em 1957, abrindo uma temporada de crimes tão ou mais bizarros ainda, que durou todo o verão de 1958. A Coisa começa com o assassinato brutal e misterioso de George Denbrought, em 1957, que brincava com um barco de papel nas corredeiras da sarjeta criadas pelas últimas chuvas fortes. George, até onde se sabe teve um de seus braços arrancados por um palhaço monstruoso que estava dentro do bueiro no qual o seu barco de papel sumiu.

O crime permaneceu inexplicado, mas Derry é uma cidade bastante peculiar na qual coisas hediondas acontecem com muito mais frequência do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos. Apesar de pequena, tem a maior taxa de desaparecimentos, especialmente de crianças. As pessoas também morrem em Derry de forma violenta com muito mais frequência e os seus corpos mutilados reaparecem nos esgotos. E ninguém se importa. A população parece simplesmente não perceber isso. Mas sete garotos, os nossos protagonistas, um dos quais, irmão da primeira vítima de 57, que abre o livro, percebem que em Derry há algo de diferente no ar: como um cheiro de zoológico, como se algo, algum ser, estivesse atuando em Derry há muito, muito tempo, caçando e se alimentando da sua população. Bill Denbrought, Eddie, Richie, Beverly, Stanley e Mike, tentarão combater a criatura que mora em Derry desde que Derry é Derry e que se alimenta de crianças a cada vinte e sete anos mais ou menos. Essa criatura, a Coisa do título, tem muitos rostos e sempre reflete o maior medo de sua vítima, ou seja, o leitor pode em qualquer momento se deparar com qualquer tipo de monstro importado de qualquer outra narrativa de horror. Esse recurso aumenta a intertextualidade da narrativa, abrindo, obviamente, muitas possibilidades que viabilizem a construção do suspense e do medo no leitor.

O interessante é que quem pega um livro desses na livraria, lê a sinopse, só o leva para casa se for alguém dado a narrativas de terror ou horror. Não nego que seja uma narrativa de horror, estruturada sob a égide das regras que regem o gênero ou que escape à lógica do susto, asco e do monstro dentro do armário ou debaixo da cama. Não, A Coisa não se exime disso. Pelo contrário, por vezes é explicitamente violento, trazendo ao leitor imagens das mais cruéis ou nojentas. Mas além desse tipo de estratégia, se cavarmos um pouco mais, chegaremos à fábula narrada: que é a da amizade da infância, ingênua e verdadeira como nenhuma outra e do fim da infância e da perda da fé na magia e no sobrenatural que o envelhecimento implica. Os setes garotos protagonistas de A Coisa, o Clube dos Perdedores, são unidos pelo seu desajuste social, tema caro a Stephen King e já abordado em seu primeiro livro Carrie. Um dos garotos tem asma, outro é gordo, temos ainda o gago, o negro, o judeu, a garota pobre e o hiperativo de óculos. O vínculo entre eles é solidificado pela presença maligna que assombra a cidade toda: a Coisa do título do livro, cuja função narrativa é fornecer o cimento à união dos sete, afinal é contra ela que o Clube dos Perdedores vai lutar. Claro que tudo isso recheado de muito sangue e tripas, senão não ia ter graça. Quem quiser muita profundidade que vá ler Saramago, Joyce ou sei lá, algum manual de mergulho do Jacques Costeau.

A memória é outra tema universalizante posto em discussão por meio da narrativa de A Coisa. A estrutura do romance é bastante rígida e formal, imitando processos mnemômicos com intensa utilização de itálico pra marcar voz interior dos personagens e seus pensamentos. A voz narrativa saltita entre os sete protagonistas nos anos cinquenta e nos anos oitenta, quando se situa a outra metade do livro. O itálico e parágrafos terminando abruptamente e sendo emendados em outros retratando outro lugar e outro tempo são empregados à exaustão com o intuito de confundir o leitor e fundir anos cinquenta e oitenta em um só contínuum, que é próprio da narrativa das nossas memórias. O recurso é bastante funcional e proporciona passagens bastante criativas. O livro é estruturado em cinco partes mais epílogo, intercalados por cinco interlúdios passados eminentemente no presente mas que contam parte da história da fictícia Derry. Os interlúdios correspondem às entradas no diário pessoal de Mike Hanlom, dentre os sete garotos do Clube dos Perdedores, o único que permaneceu em Derry como vigia, esperando que os assassinatos recomeçassem para que os garotos tentassem finalmente exterminar o monstrengo de mil faces. Os outros tentaram construir vidas o mais longe possível do Maine.

A Coisa levou quatro anos para ser terminado e é dedicado aos filhos de Stephen King: “Crianças, ficção é a verdade dentro da mentira e a verdade desta ficção é bastante simples: a magia existe”. É sem dúvida uma obra épica não por extensão mas por estrutura, sua narrativa principal acontece em menos de uma semana. E quando você termina o livro, você pode ficar com aquela sensação de acordar do pesadelo logo depois de ter resolvido e e entendido a sua lógica truncada. Fica a sensação de ter atravessado anos, muitos anos. É chato terminar o livro, deixá-lo de lado a espera de uma outra oportunidade de lê-lo novamente. Eu sinto isso e não apenas porque o reconheço pelo que é, um livro escrito de forma dinâmica e para ser consumido como tal. Aqui e ali a sua estrutura narrativa mostra o seu esqueleto, mas isso é da terceira apreciação em diante. A primeira te deixa acordado de noite e triste pela manhã porque os amigos envelhecem, a infância acaba e a vida adulta tem que ser encarada com as suas felicidades, os seus percalços e responsabilidades. A Coisa demonstra a emergência do senso de responsabilidade nas crianças que escapam do monstro. São unidas para derrotá-lo e se isso acontecer, se conseguirem derrotá-lo, então acabou. Se não lutar o monstro te devora, se lutar e vencer o monstro, você envelhece e fica chato.

EXCERTO:

“É possível uma cidade inteira ser assombrada?
Assombrada como se supõe que sejam assombradas algumas casas?
Não apenas um único prédio nessa cidade, tampouco a esquina de uma única rua, uma única quadra de basquete em um único parquezinho, com a cesta sem rede projetando-se ao por-do-sol como algum obscuro e sangrento instrumento de torura, não apenas uma área – mas tudo. Tudo quanto houver nessa cidade.
Pode ser possível?
Ouçam:
Assombrado: ‘Visitado frequentemente por fantasmas ou espíritos.’ Funk e Wagnalls.
Assombrando: ‘Retornando à mente com persistência; difícil de esquecer.’ Ditto Funk e Friend.
Assombrar: ‘Surgir ou infestar com frequência, em especial como fantasma.’ No entanto, ouçam! – ‘Lugar assiduamente visitado: toca, antro, estância…’ O itálico é meu, naturalmente.
Ainda mais uma. Esta como a última, é uma definição de assombrado como substantivo. É ela que de fato me assusta: ‘Um local o nde os animais costumam alimentar-se.
Animais como os que surraram Adrian Mellon e depois o jogaram de cima da ponte?
Animas como o que estava à espera, embaixo da ponte?
Um local onde os animais costumam alimentar-se.
O que está se alimentando em Derry? O que está se alimentando de Derry?”



As Torres Gêmeas by Tarcízio Silva
outubro 9, 2006, 11:44 pm
Filed under: Cinema

As Torres Gêmeas, por Tarcízio Silva

Cinco anos: até que demorou pra Hollywood começar a fazer filmes-castástrofe sobre o ataque de 11 de setembro de 2001. Neste ano já foi lançado o Vôo 93, sobre um dos aviões atacados. As Torres Gêmeas (World Trade Center), dirigido por Oliver Stone, conta a história de dois policiais que foram soterrados em um dos desabamentos.

O filme começa bem. Com cara de documentário, vai mostrando cenas de Nova York ao amanhecer. Metrô, ruas ainda vazias e pontos turísticos, como a Estátua da Liberdade ou o World Trade Center mostrando sua magnitude ao fundo de um plano geral imenso. A calmaria antes da tempestade, anunciada quando o letreiro finalmente exibe “Nova York, 11 de setembro de 2001”. Então somos levados para o Departamento da Polícia Portuária de Nova York. A cena em que os policiais são designados para suas tarefas parece existir somente para mostrar o quanto aquela cidade é acolhedora. Os policiais nomeados nesse começo de filme parecem todos vindos de países latinos e Europa Oriental. Um deles é o oficial William J. Jimeno (Michael Peña), que vai contracenar Nicolas Cage. Este é o tenente McLoughlin, o americano comum.

O trunfo do filme é o período em que os dois policiais ficam embaixo dos escombros. A montagem alterna entre os policiais, suas famílias e as equipes de resgate, que não sabem onde estão. Maggie Gyllenhaal interpreta Allison, a esposa do oficial Jimeno. Realiza bem cenas morbidamente constrangedoras, da espera por notícias do marido – ou de sua morte. Mas a família McLoughlin, encabeçada por Donna (Maria Bello) é prejudicada por exageros do roteiro, beirando o sentimentalismo. Por outro lado, as cenas com os policiais são ótimas. Antes quase desconhecidos, tornam-se amigos sob o medo da morte, de nunca mais rever as famílias.

Durante algumas seqüências, fica a dúvida: este drama precisaria mesmo ser no World Trade Center? Apesar das belas seqüências do começo, o fato do desastre pessoal de Jimeno e McLoughlin acontecer no WTC acaba por prejudicar a tensão claustrofóbica criada por Stone. Parece ter sido uma decisão pelo sempre chamativo “Baseado em fatos reais”, ainda mais em algo tão recente.

Algumas cenas alheias ao drama particular dos policiais são exibidas, apesar de inúteis. Pessoas de todo o mundo assistindo às transmissões dos atentados e declarações de George Bush e do ministro da defesa Donald Rumsfeld. Todas elas são estéreis, sem um posicionamento claro. Nem uma abertura interpretativa à la Gus van Sant nem parcialidade escancarada como o Falcão Negro em Perigo, de Ridley Scott. Oliver Stone parece titubear, sem saber o que (pode) dizer.

Escancarado é o sentimentalismo e a supervalorização dos personagens envolvidos no atentado. Como não poderia deixar de faltar, várias cenas exaltam os “heróis americanos”. Por exemplo, quem descobre os policiais nos escombros é um ex-militar religioso (deus e guerra, tudo que o americano gosta), que se infiltra na região dos atentados por puro altruísmo. No final das contas o filme é uma diversão razoável, com alguns bons momentos. Mas não se esqueça de locar Fahrenheit 11/9 no caminho de casa. Certo ou não, Michael Moore soube ser enfático, algo do qual Stone passou longe…



Em Seu Lugar by petcom
outubro 3, 2006, 9:11 pm
Filed under: Cinema

Em Seu Lugar,  por Renata Cerqueira

Por se tratar de uma obra que aborda basicamente as relações humanas, Em seu lugar (In Her Shoes, 2005) não nos parece uma história distante ou deslocada do nosso cotidiano. É um filme que trata de temas que já escutamos de um amigo, que já vimos acontecer com o vizinho e que constantemente bate a nossa própria porta. Sem ficar presa a um caso específico, a trama se constitui em uma condensação de situações, problemas e sentimentos comuns a todos, principalmente àqueles que se relacionam e convivem diretamente com alguém. Embora não caia na superficialidade, o filme peca quando tenta comprimir temas,  tão ricos e diversos entre si, em uma seqüência de encadeamentos que não fazem justiça às possibilidades cinematográficas existentes em cada um deles.

O filme é construído a partir da história de Maggie (Cameron Diaz) e Rose (Toni Collette), duas irmãs que sempre foram muito unidas, embora fossem completamente diferentes uma da outra. Enquanto uma era vaidosa, festiva e irresponsável, a outra era séria, metódica e desleixada com a própria aparência. Com o desenrolar do filme, no entanto, essas diferenças foram compondo um panorama de alegrias, conflitos, descobertas e aprendizados para ambas as personagens. O resultado é um percurso que, embora tenha apelado para alguns estereótipos, foi retratado sem lições de moral, maniqueísmos ou mudanças milagrosas de comportamento.

Sem tirar a importância do diretor Curtis Hanson, muitos dos méritos existentes na obra se devem, na verdade, à Jennifer Weiner. Autora do livro em que o filme foi baseado e um dos grandes destaques norte-americanos na nova Literatura Feminina, Jennifer vem cativando leitores pelo mundo afora. Um dos momentos mais interessantes do filme, por exemplo, é quando a personagem de Cameron Diaz faz uma referência indireta à própria escritora, quando lê um de seus poemas, “One Art”. Enquanto declama os versos e ao som de uma melodia suave, as imagens de Cameron começam a se alternar com cenas de sua irmã, fazendo emergir o forte ar de tristeza inerente à seqüência. Uma cena que, sem contar com interpretações exageradas e diálogos entre as personagens, deixa claro tudo que está emocionalmente se passando naquele instante.

Diante de cenas assim e de temas que variam desde traição e mentira até reencontro e união, torna-se até difícil classificar o filme segundo apenas um gênero cinematográfico. Assim como as nuances presentes na vida humana, Em Seu Lugar se divide em momentos ligados ao drama, à comédia e, até mesmo, ao romance. No entanto, essa alternância de gêneros parece ser empregada aqui com uma dupla função: ao mesmo tempo em que atende à proposta mais realista da obra, ela também funciona como um dispositivo que reclama a atenção do público nos momentos em que a trama começa a se perder. Com uma duração de mais de duas horas e sem bons elos que estimulem a passagem de um desses momentos para o outro, o filme atrai muito mais pela abordagem que se faz de cada situação, sempre muito delicada e sutil, do que pelo tal panorama retratado pela própria obra.



Lovecraft by Tarcízio Silva
outubro 1, 2006, 11:38 pm
Filed under: Quadrinhos

Lovecraft, por Tarcízio Silva

E se as criaturas criadas por Howard Phillips Lovecraft nos contos que mais tarde seriam categorizados por August Derleth como os Mitos de Cthulhu fossem reais? O romance gráfico Lovecraft propõe que o escritor foi perseguido por algumas de “suas” criaturas e os cultistas destas, incomodados pela publicação de seus trabalhos.

H. P. Lovecraft foi um contista de horror do início do século XX. Em seus escritos, a humanidade é irrelevante para o universo. Nos contos da fase chamada Mitos de Cthulhu, foi criada uma mitologia própria: além das divindades ‘verdadeiras’, existiriam algumas criaturas na Terra, os Grandes Antigos, tão poderosos que chegam a ser cultuados como deuses. Antes da humanidade florescer, esses monstros foram banidos e esperam uma oportunidade de reinar novamente. O Necronomicon, um livro mágico maldito, seria a chave para abrir o portal. A premissa da revista é de que este livro realmente existiu, e Lovecraft o recebeu como “herança”.

Adaptado por Keith Giffen, o roteiro de Hans Rodionoff é uma homenagem fundamentada. Fica claro que foi baseado em um amplo trabalho de pesquisa. São identificáveis referências históricas e minúcias biográficas, além da inevitável referência a estruturas narrativas lovecraftianas recorrentes. A introdução escrita pelo cineasta John Carpenter deixa clara a importância do escritor para grandes nomes do horror, como Stephen King e Clive Barker. O próprio Carpenter já homenageou Lovecraft com a premissa e o título original de À Beira da Loucura (em inglês The Mouth of Madness, referência a At The Mountain of Madness).

O horror cósmico criado por H. P. Lovecraft é um desafio para quem queira construir uma representação visual, principalmente se for estática, como no caso dos quadrinhos. Lovecraft construía suas criaturas sempre em termos de inadequação ao mundo e à compreensão humana. A vagueza de descrição era intencional, pois o narrador protagonista não tinha parâmetros de comparação para o “inominável”. O desenhista argentino Enrique Breccia faz um bom trabalho. Seu estilo não é realista, por isso mesmo atinge o objetivo. Os monstros aparecem de forma explícita, apesar disso não ficam banais. Talvez o resultado fosse ainda melhor se o uso de penumbras fosse mais freqüente, mas nada que comprometa a obra.

Alguns detalhes são deleites para os fãs. O desprezo de Lovecraft por seu conto Herbert West: O Reanimador, encomendado pela revista Weird Tales, é mostrado numa conversa com o editor da revista pulp, Edwin Baird. Como não poderia faltar, alguns dos escritores colaboradores de Lovecraft (mais tarde conhecidos como o “círculo lovecraftiano”) aparecem, como Frank Belknap Long e Robert E. Howard. E talvez a melhor das miudezas seja o encontro com o ilusionista Houdini, para quem trabalharia como ghost writer do conto Aprisionado com os Faraós. Atenção também para o papel de Edgar Allan Poe como ídolo e influência para Lovecraft. Apropriadamente uma citação de Poe abre a revista.

Mesmo quem sequer ouviu falar em Lovecraft pode apreciar a revista. Em passagens mais obscuras, notas de rodapé esclarecem o leitor. Se o neófito em Lovecraft não vai sorrir como o fã para cada referência, aos borbotões por página, ao menos vai ser despertado para um autor tão rico, embora ainda sem a fama merecida, setenta anos depois da morte.