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A propósito do BBB7 by untitled2
janeiro 13, 2007, 1:07 am
Filed under: Cinema

Feira das Vaidades (2004), por João Barreto

Os créditos de Feira das Vaidades anunciam que algo estará a disposição, ou talvez em exibição, nas quase duas horas e trinta de filme para que transações comerciais aconteçam. Beleza e prestígio, status e privilégios, paixões e frivolidades são tornados passíveis de barganha na feira de vaidades que é a sociedade inglesa do início do século XIX. Estes itens podem ser a própria moeda de troca ou podem ser comprados por dinheiro, casamentos estratégicos e as mais frágeis ligações perigosas. Enquanto a fotografia – azulada – pertence às ruas desta Londres, as pomposas festas da alta sociedade são retratadas em cores vibrantes e tons de vermelho. Esse é o palco onde o cinismo e o jogo de interesses entre aqueles que têm prestígio (seja de berço ou por sucesso financeiro) e aqueles que querem prestígio efetivamente acontecem. Mulheres e homens são pavões fazendo o máximo para se dar bem.

Com alguma desenvoltura, a nossa anti-heroína Rebecca Sharpy (Reese Whiterspoon, de Johnny e June) tenta a todo custo achar o seu lugar na nata – meio coalhadinha – da hipócrita sociedade inglesa. A legalmente loira Becky, filha de uma cantora de ópera francesa e de um pintor inglês pobre, quer chegar ao topo e não poupa esforços para isso. Becky, o anjo mau, sabe desde cedo onde está se metendo: o filme logo no início mostra a menina Sharpy brincando com marionetes e as associações com as maquinações posteriores são diretas.

Becky começa como preceptora e dama de companhia e assim tem acesso a famílias ricas e com herdeiros promissores. Sucessivos fracassos e rejeições são contornados com destreza e cinismo e lá vai novamente Becky arrastando o baú com suas iniciais gravadas. Em Feira das Vaidades, cinismo se paga com cinismo, e nada poderia ser mais divertido. A diversão fica por conta da intriga e do bom humor ácido com sotaque pomposo. Melhor que BBB.

À sociedade pós-vitoriana sobra como diversão ridicularizar os seus próprios membros. Em meio a agressões pouco sutis nas conversas, heranças resguardadas ou perdidas, títulos de nobreza comprados e falências, o que coloca todos os personagens no mesmo balaio é a sua amoralidade. Diga-se de passagem: mulheres e crianças primeiro. A inocência e a ingenuidades são punidas, a exemplo da única amiga de Rebecca, Amélia Sedley (Romola Garai), grávida e viúva, apaixonada ainda pelo finado, George Osborne (Jonathan Rhys-Meyers), afetado, cretino e novo rico ainda por cima!

As marionetes com as quais a afiada Srta Sharpy, que acaba promovida a Sra. Crawley lá pelas tantas, brincava na infância anunciavam o futuro. A loura manipula os ricos e, obviamente tem que entrar na brincadeira, é manipulada por eles, virando inclusive dançarina em coreografia exótica e oriental. Na feira de vaidades, todos são pavões exibindo-se em troca de favores. Umas das cenas mais interessantes nos traz a metáfora com as aves de forma bastante explícita: Becky, tomada como protegeé pelo Marquês de Steyne (Gabriel Byrne), é conduzida, em um sarau, para um recinto com as damas da sociedade presentes. Estas naturalmente evitam o pato bonitinho mas sem pedigree. Lady Steyne (Kelly Hunter), ameaçada pelo marido (Byrne), na qualidade de anfitriã, resolve que vai tocar piano e convida a Sra. Crawley para cantar. Pouco depois as mulheres começam a se aproximar, atraídas não pela música ou pela voz da loira. Em seguida entram na sala os cavalheiros. Nenhum deles vacila ou hesita, atrapalha a pose. Os atores que compõem a cena são quase pássaros nesse momento.

Embora muito deslumbrante e com cenários e figurinos impecáveis, Feira das Vaidades sofre com alguns problemas técnicos. O argumento sofreu na transição da literatura para a linguagem cinematográfica. O filme é baseado no livro homônimo de William Makepeace Thackeray, originalmente uma novela satírica de costumes e foi publicado originalmente entre 1847 e 1848. Assim, algumas ações de personagens não têm motivações claras, eles por vezes mudam de opinião rápido e fácil, da água para o vinho e não me venham dizendo que é da narrativa que não é. Dá pra notar uma esquisitice quando se vê uma. Em contrapartida os saltos no tempo narrativo embora compreendam extensos períodos estão bem amarrados e ninguém fica boiando no cinema. Detalhe para o figurino da Reese Whiterspoon. Becky usa geralmente vermelho quando está em ascensão, o que dirige toda a atenção das cenas quase sempre para ela e veste um elegante azul-pavão quando está no topo. Contudo só veste branco uma única vez.

Apesar de alguns excessos como diálogos desnecessários ou interpretações fora de medida, Feira das Vaidades é uma boa diversão descompromissada. É só não esperar mocinhos ou mocinhas, mas anti-heróis interesseiros e alpinistas sociais em geral. O próprio autor do romance original deu como subtítulo à sua obra “Uma novela sem heróis”. Fofoca, intriga e maledicência nunca foram tão divertidos.


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