((petshop ________ a sua ração cultural))


Mas é a cara do filho do demo! by untitled2
janeiro 23, 2007, 9:37 pm
Filed under: Cinema

O bebê de Rosemary (1968), por João Barreto

Rosemary (Mia Farrow) é a esposa perfeita do casal perfeito de propaganda de margarina. Casada com um ator médio, Guy Woodhouse (John Cassavetes), mas que tem possibilidades de ascensão, o casal se muda para um magnífico prédio localizado em uma área cara e badalada de Nova Iorque, a cidade maçã. Rosemary quer filhos, o marido também, pouco importam as histórias estranhas que o amigo do casal os conta sobre o prédio pra onde se mudaram. Tudo bem que a decoração é um pouco lúgubre e os vizinhos um pouco afetados, mas quem se importa? Afinal casais de propaganda de margarinas têm todo o tempo do mundo e nada poderia dar errado com eles. O que Rosemary não sabe é que começará a ouvir coisas e supor coisas. Será isso decorrente da gravidez de primeira viagem? Será que há pessoas que estão armando um complô para levar o filho de Rosemary? Será que as afetações dos seus vizinhos na verdade não esconderiam um seita demoníaca de feiticeiros amiguinhos do demo?

Com uma sinopse dessas, falar que um filme de terror se propõe a assustar é chover no molhado. O que está em questão é como um filme de terror se propõe a assustar o seu público. Como constrói a tensão a ponto de fazer você roer unhas ou morder o canto da boca até se machucar? Como faz você suar frio? O cinema de terror e horror em geral opta por cenários sombrios, lúgubres. A nova morada dos Woodhouse é levemente sombria, mas esse tipo de construção de cenário não é o dominante no filme. Uma das cenas mais tensas é certamente no consultório do médico de Rosemary, uma sala em tons pastéis, quando ela é levada para parir. O apartamento da protagonista, diga-se de passagem, é iluminado e colorido, próprio da estética dos anos sessenta. Lembremos de O Iluminado (1980), que é super colorido e deixa você de cabelo em pé.

Um outro recurso interessante de O Bebê de Rosemary, que é próprio do gênero, é o não mostrar. Insinuar, deixar a dúvida, não mostrar o bebê quando parido é ótimo para manter o interesse do público. Queriam matar o bebê de Rosemary? Ele morreu? O beibe é realmente o filho do demo? A criança sequer identidade tem: não recebe nome! Além disso, os planos são fechados, quietos, com uma câmera quase imóvel, com closes nas expressões ora ingênuas, ora aterrorizadas de Rosemary. O cenário mais constante é o apartamento, o que traz uma idéia incômoda para o público (o que é ótimo!) de confinamento. A claustrofobia se instaura no público por conta do confinamento da nossa heroína. Ela poderia sair de casa se quisesse, mas quem disse que o roteiro permite? Sequer mostra as situações externas na maior parte do tempo, trabalhando com muitas elipses, mesmo porque tem que dar conta dos nove meses de gestação doentia de Rosemary. Esta, aliás, vai sistematicamente se tornando um cadáver ambulante a tropeçar nas próprias olheiras.

O roteiro opta ainda por segurar a dúvida sobre a situação de Rosemary (paranóia ou seu filho é mesmo o filho do demo?) um pouco mais, quase até o fim. São constantes os escorregos da protagonista para situações de delírio, sonho, pesadelos e o diretor confia na inteligência do público. Polanski não dá a entender que se tratam de sonhos quando são sonhos e ainda os mistura com a realidade de modo que entramos na percepção de Rosemary e no seu estado de confusão mental.

Aliás, Rosemary é tão bem construída para o contexto no qual está inserido (de produção de tensão) que merece um parágrafo só para ela. Mia Farrow montou um personagem infatilizada, o que torna a decisão de Rose ainda mais diabólica no final da película: simples, porém assustadora. Durante o filme, o público está sempre se questionando se Rosemary perdeu o juízo ou se realmente estão a tramar contra ela. Um roteiro bem amarrado não se resolve sozinho sem atrizes da competência da dona Farrow. Aliás, os textos fílmicos vinculados ao fantástico tendem a ser bem-sucedidos quando optam por deixar o público em dúvida. Fornecer pouca informação ao público é uma ótima sacada.

E ainda, vamos lembrar que estamos em pleno anos sessenta com sutiãs pegando fogo pela América e Europa por obra de feministas radicais. A sexualidade é algo que começa a deixar de ser tabu e o hippies pululam aqui e acolá. Rosemary, além de infantilizada, é também muito sexual, de onde advém uma clara fantasia de pedofilia. Contrapor padrões morais instituídas também é uma particularidade do terror fílmico que é sempre atual. Com O Bebê de Rosemary não haveria de ser diferente, o que dá ares de universalismo ao filme. Pedofilia ainda é crime e espero que assim permaneça por bastante tempo.

O filme traz ainda cenas de nudez entre homens e mulheres de idade variada. Se sexo e morte são tabus, o terror opta por empregá-los nas suas construções dramáticas. Porque o que choca e provoca deixa o público preparado para tomar sustos. O sexo em O Bebê de Rosemary é em geral tratado por elipse mas não está ausente. Aliás, sexo no cine-terror tem sido em geral um clichê muito mal utilizado nas produções contemporâneas. Clichês são ótimos quando estão em harmonia com o roteiro (como em O Bebê de Rosemary), afinal são estratégias de roteiro que se mostraram historicamente bem-sucedidas.

Temos ainda uma trilha sonora bem demarcada e absurdamente literal para deixar o público já no clima. Mas a obviedade da trilha nem incomoda muito. O Bebê de Rosemary tem muita, mas muita coisa boa e funcional apesar da trilha e não é por acaso que provoca tensão, pavor e asco, emocionando dessa forma o seu público. É porque é bem construído, bem amarrado. É porque o zíper da roupa de borracha do monstro está bem escondido e a maquiagem não derrete. É porque tem momentos de humor bastante amargo, como quando o marido insinua que havia estuprado Rosemary para que ela engravidasse porque era esse o dia em que haviam planejado para começar a tentar ter filhos. Não há comic relief verdadeiro! É porque percebemos que algo não está certo com aquele casal, prédio e vizinhos não porque isso nos e jogado na cara. O Bebê de Rosemary é muito bem realizado e sofisticado e isso é tão simples de fazer quanto beber cicuta. É pois por conta disso que não envelhece mesmo se passando nos anos sessenta; poderia muito bem ter acontecido ontem.


1 Comentário so far
Deixe um comentário

filme de terror demo

Comentário por julya




Deixe um comentário